Ao Público “Floresta da Tijuca”, por Raymundo Ottoni de Castro Maya

Contexto

AcervoMuseus Castro Maya
AutoriaRaymundo Ottoni de Castro Maya
Data12 de Setembro de 1947
PublicaçãoRecorte de Jornal (?)

Documento

Ao Público “Floresta da Tijuca”

No momento de deixar a direção do Serviço da Floresta da Tijuca, venho dar satisfação ao público, do trabalho que realizei durante o período de minha administração.

Convidado em 1943 pelo Prefeito Dr. Henrique Dodsworth, aceitei a incumbência de administrar a Floresta, tendo se criado o primeiro exemplo de “one dollar man", isto é, recebendo 1 cruzeiro por ano.

A Floresta da Tijuca estava completamente abandonada. Não havia uma pessoa responsável pela sua conservação. Como uma filha enjeitada, mudava de pai constantemente. Do Ministério da Viação passou para o da Educação e, finalmente, para o da Agricultura. As estradas estiveram sempre a cargo da Prefeitura.

Com essas continuas mudanças, com a dualidade na administração e sem verba, era natural o seu abandono. Justiça deve ser feita aos seus antigos administradores, que sempre se esforçaram ao máximo para defender as matas e os manaciais.

Iniciei os trabalhos em Junho de 1943. Desde essa data, todo o pessoal encarregado da conservação, cerca de 60 homens (pois a Prefeitura só mantém ali um feitor e o guarda do portão) foi sempre mantido por mim, prestando eu, depois, contas à Prefeitura e recebendo dela as importâncias despendidas. Os trabalhos efetuados nesse período foram os seguintes:

Trabalhos efetuados

  1. Construção de um portão no Alto da Boa Vista e casa do guarda

  2. Remodelação da ponte Job de Alcântara, represa e lago

  3. Ampliação da Praça da Cascatinha, fonte e belvedere com grades ao lado da cascata

  4. Reconstrução da Capela do Mayrink, com pinturas de Cândido Portinari

  5. Playground na praça do Mayrink

  6. Reconstrução de duas casas para guardas no mesmo local

  7. Construção de viveiros (obra não concluída)

  8. Pista de obstáculos no Alto do Mesquita

  9. Reconstrução completa do “Barracão”, constando de duas casas de moradia para guardas, escritórios de administração, garagem e depósito

  10. Reforma do “Excelsior”, canalização de ferro para levar água ao local e construção de duas casas novas para guardas

  11. Reconstrução completa da antiga casa do Barão de Escragnole, transformada em grande Restaurante, com jardim (falta concluir as cozinhas) – Restaurante “Dos Esquilos”

  12. Cabo subterrâneo para levar força e luz ao novo Restaurante, numa extensão de 1.200 metros, com sub-estações transformadoras

  13. Abertura de uma nova estrada e de um novo sítio pitoresco, denominado “Cascata Gabriela”

  14. Reconstrução completa da casa denominada “A Fazenda”, transformada em duas casas de residência para guardas

  15. Abertura de uma nova gruta no mesmo local

  16. Remodelação da gruta “Paulo e Virgínia”

  17. Reforma completa e construção do sítio “Bom Retiro”, com playground e bar

  18. Reconstrução da casa “A Floresta, transformada em pequeno Restaurante, funcionando desde 1944

  19. Reconstrução da casa denominada “A Solidão”, e cachoeiras

  20. Construção de uma represa e colocação de 800 metros de canalização de ferro, a fim de evitar a contaminação das águas no “Açúde da Solidão

  21. Reforma completa do “Açude da Solidão”, transformado em um lago e jardins

  22. Construção de um portão, fechamento com grades e casa de vigia

  23. Casa para o guarda no mesmo local

Além desses trabalhos foram completamente reformadas todas as estradas, abertos novos caminhos para cavaleiros e pedestres; foram construídos pontilhões, fontes, muralhas de sustentação e colocados inúmeros boeiros, tanto assim que, apesar das fortes chuvas, as estradas se conservam em perfeito estado.

Em todas essas obras e na conservação de uma área de cerca de 5 milhões de metros quadrados, com 16 km de estradas e outro tanto de caminhos, foi dispendida, de 1943 a 1946, a importância de Cr$ 3.945.610,70 e mais Cr$ 500.000,00 pagos este ano e de que a Prefeitura me é devedora.

Todas essas obras foram feitas com o máximo de economia e, a não ser o auxílio do arquiteto Wladimir Alves de Souza, autor dos projetos dos portões e da Capela e do paisagista Roberto Burle Marx com a remodelação do “Açúde da Solidão”, todo o resto foi feito e projetado por mim.

Abandonando os meus negócios particulares dediquei todas as manhãs à Floresta e posso orgulhar-me de ter realizado uma grande obra, com o mínimo de despesas para os cofres públicos. Dificilmente poder-se-ia fazer obras de tanto vulto com uma despesa tão pequena. Na administração pública, com o regime de concorrências e pagamentos retardados, qualquer obra custaria muitíssimo mais.

Fiz ver ao atual prefeito, General Angelo Mendes de Moraes, a necessidade de se encontrar uma solução prática para tornar mais fácil e mais rápidas as providências da Prefeitura dentro das fórmulas legais para atender às despesas de administração da Floresta. A minha permanência à frente desse serviço dependia da solução que fosse adotada. S. Ex. me respondeu em 8 do corrente, lamentando não ser possível encontrar uma solução, enquanto a superintendência dos serviços da Floresta da Tijuca estivesse entregue a pessoa estranha aos quadros da Prefeitura. Deixo, por isso, as funções que exercia desde 1943.

Aos prefeitos Henrique Dodsworth, Philadelfo de Azevedo e Hildebrando de Góes os meus agradecimentos pelo apoio e confiança com que sempre me honraram. Eles compreenderam que eu nada desejava senão auxiliá-los na difícil tarefa de administrar a Cidade.

A minha gratidão vai também ao feitor Eugenio Fernandes da Silva, que desde 1943 trabalhou sob as minhas ordens, com a maior dedicação e zelo, mostrando qualidades raras de se encontrar hoje em dia. Estes agradecimentos são extensivos aos guardas e trabalhadores que também demonstraram a maior boa vontade nos serviços a que estavam afetos.

O maior prêmio que tive nesse longo esforço foi o reconhecimento do povo. As alamedas e os sítios pitorescos da Floresta viviam quase desertos, não contando mais de uma centena de visitantes. Agora, aos domingos e feriados, o parque tem uma afluência de mais de 5.000 pessoas. Nelas, eu sinto a gratidão de ter feito alguma coisa de útil de proporcionar-lhes algumas horas de prazer sadio, em contemplação com a nossa natureza.

Nunca mais houve depredações e as ordens passaram a ser cumpridas. O povo não arrancava as plantas, não escrevia nas paredes, nem pisava nos gramados. Sentia que havia alguém preocupado em proporcionar-lhe tudo que desejava.

Esse reconhecimento anônimo me toca profundamente. Ao povo carioca os meus agradecimentos por compreender que, o que estava realizando era para ele.

Rio de Janeiro, 12 de Setembro de 1947.

Raymundo Ottoni de Castro Maya