"Um homem ressuscita uma floresta…", entrevista d'O Globo com Raymundo Ottoni de Castro Maya
Contexto
Acervo | O Globo |
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Autoria | Desconhecida |
Data | 15 de Junho de 1945 |
Publicação | O Globo |
Documento
(Fotografia da ponte Job de Alcântara)
Um aspecto bem sugestivo das belezas da Tijuca
Um homem ressuscita uma floresta…
Como vão renascendo todos os encantos das velhas matas da Tijuca, numa verdadeira amostra do que poderiam ser os nossos Parques Nacionais
O portão sem grades, que convida à entrada num mundo de deslumbramentos - Mais de cinco mil visitantes aos domingos - A satisfação do idealismo de um "one dollar-man" carioca - O que não se faz no Brasil, o que se faz em grandes países e o que nos diz o Sr. R. Castro Maya
Sr. Raymundo Castro Maya (retrato)
Numa destas belas e convidativas manhãs de inverno o sol, o repórter não resistiu ao aceno bucólico da natureza. E com as asas que o domingo empresta - muito melhores e mais rutilantes que aquelas dos versos do Bilac – lembrou-se de que há muito não ia à Floresta da Tijuca, e rumou para o Alto da Boa Vista. E teve uma grande surpresa: a velha floresta ressuscitara.
O atrativo portão (sem grades), que convida a entrada, constitui a primeira novidade. E vamos seguindo para ver o que ainda nos espera. Já na Cascatinha deparamos na ponte Job de Alcantara", posta (?) em valor por um pequeno lago e a noite, com uma sugestiva (?) iluminação indireta. Mais em cima, em vez da capelinha em ruína, encontramos uma linda capela com [ilegivel] e internamente decorada com originais painéis de Candido Portinari. Em frente, um "playground", com crianças brincando nas gangorras, balanços e voleibol.
Mas vamos caminhando, encontrando casas completamente reformadas, pista para cavalos com obstáculos naturais, a gruta Paulo e Virgínia remoçada, as cascatas desimpedidas, até um pequeno restaurante, "A Floresta", onde se pode tomar um chá como se estivesse em casa.
E a cada volta da estrada nos espera uma surpresa nova. Artísticas tabuletas, em troncos rústicos, indicam os caminhos, onde parece que uma vigilante mão invisível anda apanhando as folhas secas. Respira-se o ar puro das montanhas e da liberdade. Nos recantos, pares solitários conversam, trocando promessas de amor que as árvores já nem escutam, pois são eternamente as mesmas... as árvores e as promessas.
Prosseguimos no nosso passeio, e como já não havia tempo de ir até aos picos, iniciamos a descida pelo outro lado, passando pela antiga residência do Visconde de Bom Retiro (A Solidão), hoje totalmente reformada e filial da Sociedade Hípica Brasileira. Chegamos, finalmente, ao Açude, que agora é um lago encantador, com plantas preciosas, fechado pelo lado da Estrada da Paz por um artístico portão com velhas grades que reconhecemos como sendo as do Campo de Santana. Mas qual seria a fada que tocou com sua varinha de condão este recanto da terra carioca? Tudo é consequência, apenas, de haver o prefeito Henrique Dodsworth entregado, em boa hora, a remodelação da Floresta da Tijuca ao "one dollar man", Dr. Raymundo de Castro Maya. Informado o repórter, por um guarda, de que ele acabava de passar por ali, a cavalo, tivemos o prazer de encontrá-lo logo à saída do portão. E gentilmente o Dr. Castro Maya nos atendeu, começando por dizer:
-- O que os senhores estão vendo, aí, é o trabalho de dois anos. Não fiz mais do que restaurar a Floresta, como ela era outrora, nos tempos do Barão d'Escragnolle. – Encontrei todo apoio do nosso prefeito e agora o público carioca tem aqui o seu verdadeiro parque. Aliás, a melhor recompensa é o elogio anônimo do povo com a sua frequência. Temos tido mais de 5.000 visitantes aos domingos, quando faz bom tempo. A Floresta da Tijuca, aliás, é uma pequena amostra do que poderiam ser os nossos Parques Nacionais.
-- Mas eles não já existem? Não possuímos o Parque Nacional de Terezópolis, de Itatiaia e Iguaçú?
–- Realmente – respondeu-nos o Dr. Castro Maya – mas não passam de pequenos ensaios, que nada têm a ver com os imensos Parque Nacionais dos Estados Unidos, Canadá e África do Sul. Nesses países, uma das grandes preocupações dos governos tem sido a criação desses parques, que além de reservas da flora e da fauna são verdadeiros pontos de atração e recreio. Qualquer sítio pitoresco, qualquer monumento histórico, qualquer fenômeno da natureza serve, ali, de pretexto para se formar um Parque Nacional. E com tal providência uma parte do território fica defendida contra as depredações, derrubadas, etc. Mesmo existindo propriedades particulares, estas são respeitadas, não precisando ser desapropriadas, pois ficam somente sob a legislação dos Parques. Nos Estados Unidos existem atualmente cerca de 25 Parques Nacionais e pode-se dizer que cada um deles tem sua finalidade. Por exemplo: o "Acadia" são praias e floresta; o "Bryce Canyon" são montanhas maravilhosas; o "Carlsbad Caverns" são grutas de estalactites; O "Glacier National Park" são Imensas reservas de fauna e flora, medindo mais de 300.000 hectares; o "Hot Springs" são estações termais; sem falar no "Grand Canyon", no "Yellowstone", etc.
–- Em todos eles – prossegue o Dr. Castro Maya existem hotéis para todas as bolsas, campos de esportes, golfe, tênis, piscinas e lugares apropriados para "camping", além da caça e pesca regulamentadas. Também o Canadá, apesar de seu reduzido número de habitantes, tem cerca de 30 Parques Nacionais, ocupando uma área de 1 milhão e 500 mil alqueires de 48.000 metros quadrados! A República Argentina, por seu turno, seguiu o exemplo, e já tem meia dúzia de Parques Nacionais, nos moldes dos americanos, com magníficos hotéis, como o de "Llao-Llao", em Nahuel Huapi.
Há muito tempo me bato pela ideia da criação do Departamento de Parques Nacionais no Brasil. Mas tenho sido mal sucedido. O primeiro ensaio foi em 1937, quando apresentei ao governo um programa com uma legislação moldada no da Argentina. A Defesa Florestal, porém, entendeu que não era viável, pois existe a opinião que os Parques Nacionais devam ser simples reservas florestais e que não se deve admitir nenhuma atividade nos parques, nem hotéis nem propriedades particulares. São pontos de vista. Mas eu entendo que se pode conciliar estas duas correntes, com a existência de Parques somente como reservas e com outros, que sirvam de locais de recreio para o povo. O Departamento de Parques Nacionais deveria ser um organismo autônomo, posto que ligado ao Ministério da Agricultura, mas sem as restrições do Código Florestal, e das burocracias ministeriais. Para isto deveria dispor de uma verba própria, sem depender dos orçamentos. Tais recursos, conforme cheguei a sugerir, poderiam ser obtidos dos combustíveis líquidos, através de uma cota de 200 cruzeiros por tonelada, cujo produto seria recolhido ao Banco do Brasil, da mesma maneira que está sendo feito para o fundo rodoviário dos Estados e Municípios. Atualmente a gasolina paga 825 cruzeiros por tonelada (direitos mínimos), dos quais 220 cruzeiros vão para o fundo rodoviário. Poderiam ser obtidos mais 200 cruzeiros, ficando ainda para o orçamento da República 405 cruzeiros por tonelada. Com essa verba, que iria a cerca de 50 milhões de cruzeiros por ano, poderia ser dado início ao verdadeiro programa dos Parques Nacionais.
Perguntamos ao Dr. Castro Maya onde ele pensava localizar estes parques.
–- Não é fácil responder. Penso, no entanto, que deveriam ser distribuídos em todo o território, do Norte ao Sul, escolhendo-se de preferência os locais de bom clima, pitorescos e com atrativos para as populações da região. Hoje em dia não podem deixar de entrar nas cogitações dos Governos as diversões do povo. Cada indivíduo deve gozar férias, mas não em casa. Deve ir para as montanhas ou para o mar, e fato só é possível com os Parques Nacionais, que devem possuir hotéis para todas as [ilegível], lugares para camping, barracas, pequenos chalés, etc.